29 de maio de 2010

Laduuuuuuuuuuma!

As últimas Copas do Mundo foram marcadas pela padronização. De tal forma a Fifa – a Federação Internacional de Futebol – profissionalizou a organização do evento que lhe pertence que, seja nos Estados Unidos, seja na Coreia do Sul ou na Alemanha, todos os torneios se parecem: o mesmo ritual saúda a entrada dos times, as mesmas placas de propaganda podem ser vistas em volta do campo e o máximo que se vê de cor local é o vídeo de promoção turística que antecede a transmissão. Nem sempre foi assim. Os mais velhos certamente se lembrarão da chuva de papel picado que cobria os (péssimos) gramados da Copa da Argentina, em 1978, ou da ola que a torcida mexicana importou dos Estados Unidos – e exportou para o mundo inteiro na Copa de 1986.

Desta vez, na África do Sul, nem a padronização imposta pela Fifa impedirá um continente inteiro de ser uma das estrelas da festa. Soa como um chavão dizer que esta não será uma Copa como as outras, mas no caso deste mundial não poderia ser mais verdade. Uma amostra do que veremos foi dada no ano passado, na Copa das Confederações, quando a torcida majoritariamente negra ensurdeceu jogadores, jornalistas e turistas com suas vuvuzelas – nome tão sonoro quanto as cornetas que designam e que entrou imediatamente para o vocabulário mundial. Nos 31 dias de Copa, a festa promete ser ainda maior que no ano passado, não só pela óbvia diferença de escala – 32 times, contra oito; 64 jogos, ante 16 –, como pela presença de seis seleções africanas, algumas delas muito fortes, na primeira Copa disputada no continente.


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Certo, já se sabe que o número de torcedores da própria África nas arquibancadas dos dez estádios da Copa será pequeno – houve mais pedidos de ingressos do Canadá, país que nem vai disputar o torneio, que da Nigéria ou da Argélia, estes sim classificados. Mas isso se deve mais aos preços dos bilhetes, que foi sendo reduzido à medida que ficava evidente quão proibitivos eram, do que ao desinteresse do torcedor. Nunca uma seleção africana foi além das quartas de final de uma Copa do Mundo. As maiores glórias do continente no futebol, até hoje, foram os títulos olímpicos da Nigéria, em 1996, e de Camarões, em 2000. Mesmo assim, em paixão pelo futebol dificilmente outro continente rivaliza com a África. 

Ensaio para 2014

Não é exagero dizer que o apito do juiz marcará também o início, ainda que prematuro, do Mundial no Brasil, dentro de quatro anos. A África do Sul de agora é o ensaio geral para 2014, tantas são as semelhanças entre os dois países e o modo como organizam o campeonato. Um e outro, no Hemisfério Sul, vivem o inverno no meio do ano, e pela primeira vez desde a Argentina, em 1978, veremos mangas compridas no corpo dos jogadores. As distâncias entre as cidades-sede são grandes, diferentemente do que ocorre na Europa. 

Mas pontos de conexão realmente fortes – e preocupantes – estão no açodamento para a finalização dos estádios e na sangria financeira da organização. A estimativa inicial dos sul-africanos era de gastos equivalentes a 650 milhões de reais – chegarão a mais de 8 bilhões. No Brasil, o pacote de candidatura apresentava 714 milhões de reais. Já são previstos 17,5 bilhões. 

Rumo ao hexa

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Nas palavras do cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues, na Suécia o Brasil perdeu o complexo de vira-latas. Aprendeu a ganhar, e mostrou ao mundo o choro juvenil de um menino de 17 anos nos ombros do meia Didi e do goleiro Gilmar. Pelé fez o gol da vitória contra o País de Gales, por 1 a 0, nas quartas de final. Marcou outros três contra a França, na semifinal, e dois contra a Suécia, na final. Um deles, com um chapéu dentro da área, é antológico, visto e revisto. Ladeado por outros gênios, como os já consagrados Didi e Nilton Santos e o jovem e endiabrado Garrincha, Pelé foi o paradigma de um futebol que começou a ser chamado de arte. E, no entanto, o camisa 10 do Santos não perdia a ingenuidade impúbere. Só conseguiu falar com o pai, Dondinho, por meio de rádio, de Estocolmo, dois dias depois. "O senhor me viu com o rei da Suécia? Câmbio. Apertei a mão do rei. Câmbio."

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Quando a seleção brasileira perdeu Pelé, aos 27 minutos de jogo na segunda partida da Copa, contra a Checoslováquia, a impressão geral era de que a chance do bicampeonato no Chile desmoronara. Sem o craque e com uma equipe formada por veteranos como Didi, Nilton Santos, Djalma Santos e Vavá, era difícil não prever o pior. A entrada do garoto Amarildo, de 21 anos, causou certa dúvida, logo sanada pelos três gols marcados na competição e um estilo furioso de jogo, pelo qual receberia o apelido de O Possesso. A seu lado, também na frente, o endiabrado Mané Garrincha, que soube conciliar bem seu jeito debochado de jogo com eficiência. O melhor exemplo: o segundo gol da vitória contra a Espanha. Garrincha driblou um adversário pela ponta direita – um joão, ele dizia. Em seguida, outros dois joões ficaram para trás. Ele voltou a fintar o primeiro, para só então cruzar com precisão para Amarildo marcar.

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A seleção embarcou para o México cercada de dúvidas. Questionavam-se a qualidade da defesa, a real condição de Pelé, se o time podia jogar com uma linha de ataque formada por ele, Rivellino, Gérson, Tostão e Jairzinho. A resposta foi dada em campo por aquela que é considerada a maior equipe da história das Copas. Foram seis vitórias incontestáveis, com futebol eficiente e bonito, o suficiente para entronizar Pelé, definitivamente, como o maior de todos os tempos. Uma seleção tão memorável que até mesmo os lances perdidos, em jogadas espetaculares de Pelé, consagraram adversários – a defesa impossível do inglês Banks numa cabeçada perfeita e o desespero do uruguaio Ladislao Mazurkiewicz ao ver a bola de um lado e o rei do outro. Foram os não gols mais bonitos da história. A seleção do Tri virou uma rima quase perfeita, declamada com facilidade pelo povo e pelo treinador Zagallo: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson, Tostão e Pelé; Jairzinho e Rivellino.

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Foram 24 anos de espera até que o Brasil voltasse a conquistar um título mundial. Um hiato preenchido por seleções memoráveis, como a de 1982, e outras nem tanto, como a de 1990. O tetracampeonato veio com uma equipe bem organizada e burocrática, dirigida por Carlos Alberto Parreira. Mas havia Romário, e ele fez a diferença. O baixinho, como ficou conhecido, tinha 1,69 metro. Nascera como jogador no Vasco, passara pelo PSV, da Holanda, e explodira no Barcelona. Chamado para o derradeiro jogo das eliminatórias, contra o Uruguai, marcou duas vezes na vitória por 2 a 0. Nos Estados Unidos, fez cinco gols – e a cada um deles crescia ainda mais, tornando-se um gigante de arrogância e autossuficiência. Na chegada ao Brasil – em meio ao escândalo da muamba trazida na bagagem, pela qual não se pretendia pagar impostos –, pediu para aparecer na janelinha do avião, ao pousar no Recife. Foi atendido. A Copa era dele.

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Até o apito inicial de 3 de junho de 2002, contra a Turquia, em Ulsan, na Coreia do Sul, a saga da seleção brasileira rumo ao penta foi repleta de tropeços. Depois de trocar três vezes de treinador, o time sofreu para se classificar nas eliminatórias. A vaga veio apenas com uma vitória sobre a Venezuela, no último jogo. A dúvida central: Ronaldo voltaria a jogar bem depois da segunda grave contusão no joelho? O técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, foi xingado de tudo quanto é jeito porque deixou Romário no Brasil. Mas a Família Scolari, como ficou conhecido o grupo da Copa da Coreia-Japão, viveu uma temporada de pura felicidade. Ronaldo voltou a ser o Fenômeno, decisivo. Rivaldo, com sua deselegância discreta, foi genial. Nas quartas de final, contra a Inglaterra, brilhou Ronaldinho Gaúcho. O título veio com 100% de aproveitamento, sete jogos e sete vitórias, sucesso igual ao do tri de 1970.

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Tecnologia

Pela primeira vez, todos os jogos serão transmitidos com recursos de alta definição.

A televisão de alta definição – promessa na Copa de 2006, na Alemanha – é realidade em 2010. Todos os 64 jogos na África do Sul serão filmados com 33 câmeras especialmente concebidas para captar os movimentos de corpos e bolas. No Brasil, as partidas em HD serão exibidas pela Rede Globo, Sportv, ESPN HD, Bandeirantes e Bandsports. Além de marcar presença nas telonas acima de 40 polegadas, a tecnologia digital passeará também por telefones celulares.

3D


O recurso 3D está na moda – ainda que incomode, em alguns casos provoque náuseas e seja frustrante. A Copa do Mundo da África do Sul não poderia perder essa bola. A Fifa anunciou que filmará 25 das 64 partidas nesse formato. No Brasil, oito jogos serão transmitidos com essa tecnologia, numa parceria da Rede Globo com a rede de cinemas Cinemark, que os exibirá em 25 salas de sete capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Salvador). A má notícia: não haverá venda de ingressos, apenas distribuição de bilhetes por meio de patrocinadores. 

Fiquei com a sensação de estar num camarote próximo ao campo, compara Daniel Malachias, gerente da consultoria Golden Goal, uma das responsáveis por viabilizar essas exibições já nesta Copa. Ele acompanhou uma transmissão-teste de um jogo do campeonato francês no início do mês, num cinema emSão Paulo. Em 3D, ganha-se na noção de profundidade dos lances – e aquela sensação, habitual, de a bola estar indo em uma direção, quando na verdade corre para outra, desaparece. Por ora, como é tecnologia ainda em experiência, talvez caiba sensatez: 3D mesmo, no futebol, só dentro do estádio – e essa oportunidade o torcedor brasileiro terá na Copa de 2014.

Avanços 

1970 Na primeira Copa transmitida ao vivo e em cores, o Brasil via os jogos em preto e branco. A novidade: o replay.
1974 O Brasil enfim tem acesso aos jogos ao vivo e em cores. O avanço tecnológico desta vez são os lances em câmera lenta.
1994 Ajudados por um computador, comentaristas aprofundam as análises com desenhos aplicados na tela com computação gráfica.
2002 A internet entra em campo. Pela primeira vez, internautas têm acesso a imagens dos jogos no computador.
2006 Todas as partidas são filmadas e transmitidas com sinal digital e em alta definição. No Brasil, só alguns poucos tiveram acesso à novidade
 Dunga aposta tudo em Kaká

Em volta da mesa estão Dunga, o auxiliar Jorginho, o médico José Luiz Runco e o preparador físico Paulo Paixão. É um almoço da comissão técnica da seleção brasileira. Mas rapidamente o encontro transforma-se em uma mesa redonda sobre a situação dos jogadores brasileiros às vésperas da Copa do Mundo da África do Sul. E a conversa chega em Kaká: craque do time, mas que passou a ser uma interrogação por causa de seus problemas físicos recentes. Ele estará inteiro no Mundial? Tem chance de sentir novamente a lesão no púbis? Sentirá a falta de ritmo de jogo? O Brasil tem um plano B para uma eventual ausência de Kaká?
Fica claro para os presentes no almoço que Dunga mudará o esquema que lapidou durante três anos se seu principal jogador não estiver em boas condições físicas ou técnicas no Mundial, após duas lesões seguidas. Ao tocar no assunto com seus colegas, o treinador não aparenta desespero, apesar de demonstrar não ter muito mais que um par de opções para suprir a ausência ou a defi ciência de Kaká, jogador que participou de 33 dos 52 jogos da seleção sob o comando do técnico gaúcho (índice de presença de 63,5%). Ele só esteve em campo em uma das cinco derrotas que o treinador amargou. Além disso, é um modelo que Dunga gosta de ver seus atletas seguirem: discreto fora de campo, aplicado taticamente e obediente a ponto de aceitar a reserva no início do trabalho do técnico à frente da equipe.

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Conversando com seus colegas de seleção, Dunga e Jorginho levantaram poucas alternativas. Uma delas é recuar Robinho para fazer a função de Kaká. Outra é colocar o coringa Daniel Alves no meio para fazer o papel do meia do Real – e, por vezes, inverter de posição com Maicon. Pensar em opções é bem mais que um simples exercício. A comissão técnica já dá como certo que, após 45 dias parado, Kaká vai chegar em condições físicas abaixo das consideradas ideais. Espera, porém, pelo menos mais uma meia dúzia de atletas no vermelho e considera que pode recuperar todos a tempo. Na Copa da Alemanha, 11 dos 23 convocados se apresentaram longe das condições desejadas pela comissão técnica, segundo Moraci Sant’Anna, preparador físico da seleção à época, que não conseguiu recuperar todos.

No caso de Kaká, hoje, além de tomar cuidado para que as lesões não voltem e o atrapalhem na Copa, o mais importante é recuperar a forma física e o ritmo de jogo. Ele poderá fazer no máximo quatro partidas pelo Real Madrid até se apresentar à seleção. Se por um lado faltará tempo de jogo, por outro Kaká vai chegar mais descansado que em 2006, quando se apresentou após participar de quase todos os jogos do Milan na temporada.

Porém, o fato de o ex-são paulino estar no Real Madrid pode ser um fator negativo. Embora seja um dos maiores clubes do mundo (isso inclui infraestrutura, melhores profissionais e salários), a Copa de 2006 deixou más recordações. Na Alemanha, comparado com os outros atletas, os jogadores do Real chegaram abaixo das condições físicas, diz Moraci.

 Grupo G

A costumeira sorte que acompanha o Brasil nos sorteios de Copas do Mundo desta vez não deu as caras. Para avançar às oitavas, a seleção terá pela frente dois adversários fortes – Portugal e Costa do Marfim – e um saco de pancadas, que dificilmente conseguirá tirar pontos dos demais – Coreia do Norte. Mas se há algum grupo que mereça a alcunha de da morte, certamente é este.

Entretanto, dado o histórico da seleção de Dunga, enfrentar adversários mais fortes pode ser um bom negócio. Sob o comando do treinador, o Brasil tem feito excelentes partidas contra grandes seleções e enfrentado dificuldades contra as pequenas – algo que em parte é explicado pela vocação do time para o contra-ataque.

Se por um lado os adversários são fortes, por outro não têm tradição em Copas. Sim, seria exagero dizer que Portugal é um time tradicional em Mundiais, com apenas quatro participações. O time do técnico Carlos Queiroz correu sério risco de ficar fora da Copa, muito pela omissão de sua principal estrela, Cristiano Ronaldo. Durante as Eliminatórias, não marcou um gol sequer em sete partidas. O jogador ainda deve à sua seleção – e não há momento melhor que a Copa para saldar seus dividendos.

A Costa do Marfim tentará deixar uma impressão melhor em sua segunda Copa. Em 2006, os marfinenses caíram no grupo de Argentina, Holanda e Sérvia, e deixaram a competição com apenas uma vitória. A equipe tem jogadores tarimbados, que jogam nas principais equipes da Europa, como Yaya Touré, do Barcelona, Salomon Kalou e Didier Drogba, do Chelsea.

A Coreia do Norte é uma seleção tão misteriosa quanto o próprio país, um dos mais fechados do mundo. Formada basicamente por jogadores que atuam no próprio país, a seleção tentará reviver a brilhante campanha de 1966, quando eliminou a Itália e foi eliminada num jogo histórico contra Portugal.

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